segunda-feira, outubro 06, 2008

Maio de 1968 não foi culpa de herói

Foi culpa de CRIMINOSOS SOCIAIS: trabalhadores e estudantes. Desde quando Brecht (1898-1956) encenou em seus textos o declínio do herói (figura iminente da burguesia) até os dias de hoje, ainda não se compreendeu que ele reproduzia o germe da experiência da luta revolucionária. Lógico que, naquele momento, ele a produzia em função artística. Porém, isso é óbvio para os críticos. A novidade - ou o “não-novo” - que deve ser repetida é o apontamento que essa potencial crítica ao herói carrega: o interesse pela teoria prática, pela crítica prática, uma ação sem representação ou representantes.

Do mesmo modo que o maio de 1968 parisiense não foi feito de heróis e mártires, ele também não foi apenas parisiense, ou europeu, ou ocidental. Esses adjetivos/categorias fazem parte de um emaranhado de fios que ajudam a sustentar a metafórica existência do capitalismo insistente e, praticamente (é preciso dizer: na prática não-humana), perpétuo. Não se tratou de linhas de pensamentos, correntes filosóficas, vanguardas revolucionárias, mas sobretudo de um impulso revolucionário anticapitalista.

A propriedade do “ser anticapitalista” significou, naquele instante, um salto de tigre, como o disse Benjamin (1892-1940). Esse salto de tigre-homem elevou os trabalhadores e os estudantes a condição de seres humanos que tensionaram suas musculaturas para agarrar o tempo e enxergar claramente as ruínas deixadas pelo progresso capitalista que os levavam a algum lugar nenhum.

O salto de tigre retomou as experiências práticas (sim, vou ser pleonástico, pois a ocasião dos 40 anos de 1968 necessita da repetição de que foi mais prático que ideológico e/ou separado do cotidiano) de diversos momentos históricos da sociedade capitalista. E atrevo-me a apontar alguns: a Comuna de Paris que, em 1871, entrou à força para a história provando a possibilidade de uma organização não capitalista na prática, constituída pela teoria-prática; a resistência dos trabalhadores e camponeses que se organizaram em conselhos (que são os Sovietes, em Russo) na Revolução Comunista Russa que se tornou Revolução Bolchevique Russa, ao ser tomada das mãos dos trabalhadores pela vanguarda ou partido Bolchevique; a resistência de Kronstadt (1921) ao “exército vermelho” trotskista e leninista que os queriam integrados à Revolução Bolchevique ou então mortos; e, é claro, o maio de 1968 francês.

O que une todos esses momentos? Unem-se na escolha por uma prática que foi cotidiana. Os trabalhadores, camponeses e estudantes se organizaram nos locais de trabalho e estudo. Não optavam pela organização de partidos, de sindicatos, ou de outras vanguardas. Apontavam soluções práticas contrárias aos entes separados das pessoas que despersonalizam as necessidades humanas. Sua organização era horizontal e não hierárquica. A falta desse controle por parte das vanguardas as fez, no princípio, sabotarem as articulações e, posteriormente, usar todas as suas forças para penetrar o seio desse método revolucionário para agir nele contra-revolucionando-o.

Desse modo, pensando em maio de 1968, nele contendo uma metodologia cotidiana e não separada, podemos dizer que também foi contra-espetacular. Porém, como todo o cotidiano é consumido pela máquina capitalista, com a radicalidade do maio de 1968 não poderia ser diferente. Mas isso se pensarmos a radicalidade como seu fim e não como prática cotidiana. Desse modo, não vejo possibilidades da radicalidade não separada da vida cotidiana ser facilmente cooptada.

A prova dessa dificuldade é haver deturpação das conquistas reais de maio de 1968 resumindo-as em ocupações de escolas, fábricas, universidades, etc., sem pensar o caminho escolhido pelas pessoas. Assumiu-se o formato de conselhos de escolas, de universidades, de fábricas não hierárquicos, horizontais, por estarem em um cotidiano onde essa horizontalidade, antes, não se apresentava. Também se percebeu na prática que essa organização horizontalizada, não hierárquica não era o fim em si.

Hoje, a metodologia da ação é diferente daquela de maio de 1968, assim como do início da Revolução Soviética (aquela ainda não Bolchevique), e da Comuna de Paris. Temos a experiência de que a ação deve ser no nosso dia-a-dia (espaços do trabalho, do estudo, da vida). Deve e apenas pode ser no dia-a-dia, pois é somente nele que essa vida, mesmo que esteja mediada por mercadorias, já apresenta alguns “escapes” possíveis enquanto resquícios da humanidade. E não podemos fingir que não vemos as possibilidades, pois elas estão em cada sabotagem, em cada crítica prática à propriedade privada, etc.

Para os que querem fugir dos animais mais usados pelo velho mundo, posso citar-lhes outros do novo mundo, mas aviso que todos devem ser pensados igualmente. Os saltos dos outros lugares também são de tigres, ou mesmo de jaguaretê ou leopardo. Todos são saltos. Para simplificar vou me restringir aos exemplos do México e da Argentina.

O sul do México arde, controversamente, desde 1994 com a formação do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e sua relação não-hierarquizada com o povo do Estado Mexicano de Chiapas. O EZLN se submete ao povo de cada vila ou cidade onde está presente e que se organiza em conselhos autônomos. Também é necessário citar o recente (pois aconteceu em 2006 e 2007) salto do povo da cidade de Oaxaca, no Estado Mexicano de Oaxaca, em que megamarchas tomaram as ruas com milhões de pessoas. Prédios públicos e privados foram ocupados, as pessoas passaram a se auto-organizar a partir de seus locais de trabalho e disso não saiu boa coisa: elas deixaram de serem mercadorias e viraram seres humanos por algum tempo que puderam enfim controlar.

Em 2001 a Argentina também ardeu. Diversas pessoas nas periferias de Buenos Aires se autogeriram contra todos: “Que se vayan TODOS” eles diziam. A esquerda oficial (partidos, sindicatos, etc.) junto com a mídia em geral traduziram o grito como: “que se vão todos que estão no governo e que outros políticos tomem seu lugar”. A periferia se reuniu em assembléias populares nas praças e nos parques, enquanto uma classe “média” se revoltou por ter seu dinheiro tomado nos bancos.

Meu esforço aqui não é o de comentar esses eventuais mil novecentos e sessenta e oitos que ocorrem cotidianamente ou ocorreram nessas citações acima, mas pretendi apontar que todos esses citados também CITAM, como o disse Benjamin, práticas revolucionárias anteriores a eles (como já disse: é necessário pleonasmos nessas ocasiões).

Pensando como Jorge Luis Borges (1899-1986), a Argentina teve seus precursores e eles foram mostrados aqui neste texto. Não desejo resumir as coisas, por isso é preciso dizer que cada evento citado possui elementos diferentes. Permanece uma teoria prática possível nesses momentos humanos.

É importante ressaltar que o contexto político daquele 2001 estava amparado por encontros ricos em humanidade ou de outra coisa que não o que temos comumente. Aqueles foram os chamados carnavais anticapitalistas que aconteceram fervorosamente sob o grito: pensar global, agir local. Seattle/1999 é mais um ponto na história de um século que revela todos esses elementos práticos de uma luta subversora das hierarquias do Estado e do Mercado.

É também necessário dizer que dentro de um fluxo de citações, existem interrupções que participam do refluxo prático do capitalismo. Muitas vezes - e após Seattle, muitas vezes mais - eles se trasvestirão de esforços de discussões que pretendem aproveitar as experiências da ordem do dia, tais como o foi com: o Fórum Social Mundial (e suas vertentes Brasileira, Mineira, etc.); os partidos e sindicatos e suas atuações vanguardistas (portanto: separadas) nos momentos citados acima, tal como desde maio de 1968; o financiamento realizado por determinadas empresas, como a Ford e outras tantas, das atividades que pretendem apontar “um outro mundo”.

A verdade é que estamos todos presos nesses emaranhados de fios que nos puxam para os mesmos lugares-comuns (e não para a realidade humana). Ao nos puxar tentam, inclusive, apropriar-se dos diversos discursos críticos de momentos como os maios de sessenta e oitos que ocorrem nas minúcias das relações mediadas por imagens (sabotagens, preguiças, críticas práticas em geral).

É necessária uma releitura das atuações e práticas sim, mas feitas no entendimento de que existe uma batalha pela sobrevivência cotidiana. Não imagino que sejam necessárias teorias e mais teorias que expliquem o funcionamento do mundo e de uma realidade que já foi desmascarada pela prática (se for preciso repetir eu repito: desmascarada pelas práticas já citadas). Também não acredito que seja necessária a criação de metodologias revolucionárias para a mudança do mundo, ou que devamos pensar “um outro mundo”, pois o mesmo já foi constituído nessas citações sem imposição de nenhuma ideologia.

Pudemos, a partir dessas experiências, ter o privilégio de escolher um lado que não é tão escolhido e é sempre criminalizado pelas esquerdas que se adentram na oficialidade do mundo capitalista: o lado a lado diário. É desse modo que a história de maio de 1968 - e outros tantos - não pode realmente ser feita de heróis, mas sim, de criminosos sociais.

Falaram que Glauber Rocha é uma merda. Mas que casseta! Isso é plágio.

A verdade é que fui eu quem disse primeiro. Disse que Glauber Rocha é uma merda pelos mesmos motivos que Marcelo Madureira. Segundo ele, as produções eram “mal filmadas, mal dirigidas, onde tudo parece ser feito meio nas coxas e com umas alegorias, por vezes, primárias” (Globo, 11/04/2008). Esse cara me plagiou.

A diferença entre o que disse Madureira e o que venho pensando em diversas páginas é que, contemporaneamente, essas características não apontam para o “ruim”, mas para a novidade e o comum: o que há de mais “novidadesco” nas produções. Glauber Rocha, então, seria o que ele mesmo sempre imaginou: um profeta.

Então vamos falar de Glauber Rocha.

Pena que não estamos nos Estados Unidos, onde sempre está na moda processar. Mas aqui sempre é moda dizer bobagens sem explicar. Chafurdo na lama de diversas correntes para poder ficar mais livre para repetir algumas asneiras. Tem gente que as diz sem fazer esforço algum.

Isso que aconteceu foi plágio e aqui vou compartilhar algumas idéias com os leitores provando que fui copiado sem que Madureira soubesse. Tratarei o Casseta como um precursor dessas asneiras todas que disse e aqui repetirei. Fico feliz por ser digno de ter sido plagiado e, por agora, plagiar.

Dentro dessa lógica, a minha asneira preferida é dizer que as maiores figuras intelectuais do que sobrou do ideário de mundo em devir são todas umas merdas: Darcy Ribeiro, Glauber Rocha, Paulo Freire, etc., só para citar brasileiros.

Não vou dizer que todos estavam errados porque não existe ideologia errada. O que existe é ideologia. Pensando especificamente em Glauber Rocha sua merda está materializada em todas as produções contemporâneas, principalmente após o Manifesto Dogma 1995, em que os cineastas badalados (não tão merdas quanto Glauber, como: Lars von Trier e Thomas Vinterberg) repetem essas filmagens mal feitas e, teoricamente, mal dirigidas fazendo-as nas coxas, como é o caso de seus filmes sem gênero como Os Idiotas ou Festa de Família.

Vou apontar algumas merdices cinematográficas de Glauber Rocha e, assim, reservo o direito de comentar em textos mais a frente algumas delas no contexto contemporâneo. São merdanças: a câmera sendo retirada do tripé e indo para o ombro, realizando a dança e o trânsito entre objetos e personagens; a quebra do estatuto da ficção através do movimento da câmera e do aparecimento dos atores em cenas se preparando para as filmagens, ou mesmo de Glauber também aparecendo em frente à câmera, tudo isso sendo incorporado ao cinema Hollywoodiano contemporâneo (tais como os Bruxas de Blair e Cloverfield); a não linearidade narrativa que, em tempos de internet e hipertextos, não é vista como "chata", mas como inovadora e aceitável. E vou parar por aqui, pois senão vão dizer que este texto é um monte de merdas desproporcionais.

Não vou ficar lendo Glauber Rocha em público por que as pessoas merecem tentar fazê-lo e tirá-lo dessa distância que os intelectuais gostam de sustentar. O cineasta baiano se esforçou por criar diversas imagens que se voltavam como espelhos das pessoas comuns, de um povo e de uma cultura não cooptada por mecanismos intelectualóides. Porém, o que se faz com o que foi criado são outros quinhentos.

Com este texto apenas procurei esclarecer o que quis dizer um precursor em sua visão. Ele abriu caminho para entendimento de uma prática glauberiana muito mais cotidianizada. Tal prática, mais do que se distanciar do dia-a-dia das pessoas, deve ser vista como próxima e possível para ela (como: os filmes feitos em favelas, aglomerados, etc.; os filmes dos e feitos pelos movimentos populares de ocupação, de ação política, etc.; e os filmes das resistências cotidianas em geral).

Desse modo, uma merda de verdade tem que ser o uso crítico que se pode fazer de um “celular de câmera” na mão e diversas idéias na cabeça. E isso todas as pessoas hoje em dia já possuem e já fazem uso cotidianamente. Eu queria ser o precursor dessa leitura de Glauber, mas como o Casseta fez primeiro, sem problemas, eu posso plagiar ele também.

UM TEXTO SUMÁRIO: A PRODUÇÃO FÍLMICA E O PROCESSO MEDIANO DE COMPOSIÇÃO

Copiei este texto de um indivíduo qualquer, amigo meu até hoje. Um desconhecido do público em geral. O texto foi rabiscado rapidamente por ele. Jorge contou que o escreveu em uma noite, mas já estava com as idéias na cabeça há alguns dias. As idéias nasceram de conversas com diversas pessoas que com ele gostavam de debater sobre filmes, indústrias, capitalismo e outros temas contemporâneos. Ele me disse que publicaria o texto ainda este ano, mas eu não quis esperar, por isso, o copiei para vocês.

Algumas partes foram retiradas diretamente do texto dele. As outras eu tentei completar com leituras e trechos de outros textos a ponto de esquecer quando a contribuição de um começa e a do outro termina. No fundo, o que fiz foi radicalizar conforme ele mesmo propõe. Uma pessoa que pensa assim não pode se zangar com esses recortes e colagens. A vida é feita de Control C e Control V, e vou tentando me convencer.

O autor propõe uma forma de ler a indústria cultural contemporânea. Esse “modo” acaba por caber não apenas à indústria cinematográfica, para a qual ele aponta sua crítica, mas para as artes como um todo. A proposta do texto é gerar discussão e novos textos que utilizem os principais apontamentos para elaboração de outras críticas, sempre práticas, sempre cotidianas, sempre relacionando as indústrias e, portanto, o capitalismo com a vida das pessoas e os modos de resistir a ele.

Jorge escreve...

***

Tenho como premissa o fim da arte (seguindo uma leitura pós-Walter Benjamin/pós-Guy Debord) na sociedade do século XX e princípio do século XXI. Os avanços da reprodutibilidade técnica formam o mundo do homem que perdeu a humanidade. Esses avanços, também, são a saída: a humanidade, então, não está perdida. Um paradoxo.

Penso o mundo da arte – que mesmo depois de morta continua existindo – como um grande cadáver. Hoje, nesse corpo, muito pouco se diferencia a análise técnica de, por exemplo, um cinema (chamado) de autor daquele (chamado) de massas vindo de Hollywood. A solidificação dessa idéia enquanto um mesmo corpo está presente na incorporação de ambos os objetos nas análises realizadas nas academias brasileiras. Todos os filmes são cinema de autor ou todos os filmes se tornaram cinema de massa?

Não perderei tempo na reflexão que aproxima ou distancia essa questão. Irei apenas iniciar uma discussão sobre o que se torna comum aos dois enquanto uma hiper assimilação que acontece contemporaneamente. Perguntas surgirão do leitor: como é possível dizer isso sem se conhecer todos os filmes já feitos? Como é possível generalizar dessa forma?

Por causa dessas perguntas, aqui se propõe não apenas uma, mas uma série de análises que não esgotarão o tema, mas que incorporarão vários elementos na medida do possível. Considerando o princípio da arte morta na sociedade capitalista contemporânea, e a reprodutibilidade técnica em ascensão quantitativa constante e mensurada desde a tese de Benjamin, irei pensar sobre alguns cadáveres em uma série de textos ou de passagens.

Com isso em mente, enquanto os vermes comem a carne dos cadáveres, tentarei trazer o serial killer para as críticas que realizarei. Assim como o sujeito (um ladrão de vidas) dessa metáfora, não sei quando serei pego. Por esse motivo, também não poderei dizer quando irei parar essa série. Também não sei onde os publicarei.

Para compreender melhor a aproximação que se dá contemporaneamente entre as duas vertentes do cinema apontado – duas faces de uma mesma indústria – vejamos a idéia trazida por Pablo Gobira do “Processo Mediano de Composição”. Abaixo, tomo a liberdade de citar um longo trecho de sua concepção preliminar:

"PRELIMINARES: PROCESSO MEDIANO DE COMPOSIÇÃO

A arte, então, não existe. Existe mercadoria. Porém, se a arte existisse não seria arte, seria um processo mediano de composição.

Este não pretende ser um manifesto. Muito menos o seu inverso: a abstenção.
Não faço parte de uma vanguarda. O que aqui se propõe é falar do que se vê todos os dias nas ruas. Portanto, aqui não há nenhuma proposta. Nada coletivo... ainda.
Eu filmo com o celular, escrevo e repasso e-mails indesejados. Como muitos (e todos o podem), atribuo autorias de spams aos meus outros. E quem não o faz? Sei ler, sei versificar, sei narrar. Burlo descuidadamente autorias através dos domínios do copyright. Plágio é o que restou.
Algumas dúvidas: Tudo isso que faço seria arte? O que faz o que eu faço ser arte? O que os outros têm que ver com o que eu faço?
Apenas uma resposta: o que faz o que os outros fazem não ser arte é a existência da possibilidade de cooptação. Os responsáveis pela estatutização das produções – o mercado e suas variações tentaculares – criam a possibilidade daquilo que possui mais valor de troca que de uso tornar-se outra coisa ainda como último fôlego. Poder participar da dinâmica mercadológica das indústrias de cultura é o que faz o processo mediano de composição ser passível de ser assimilado. O interesse nesse processo é meramente mercadológico. Mas vemos que ele já existe, não precisando do mercado para isso.
Processo: por não ser finalizado, nem mesmo quando fixado por uma crítica ou quando vendido como produto. Sabe-se, assim, que quando cooptado/assimilado deixa de agir como processo em sua beleza cotidiana, reagindo contra ela e tornando-se passível de um nível de crítica indeterminado e de nova autoridade que não a daquele indivíduo.
Mediano: por ser possível para todos e todas devido aos novos meios de reprodução técnica, uma vez que todas e todos podem utilizar processos de criação artística antes distantes de suas mãos não mais inaptas.
Composição: por ser envolvente a ponto de considerar o indivíduo e sua habilidade de compor uma obra, produto, ou marca que será inicialmente arquivada junto às inúmeras memórias de sua vida enquanto sujeito realizado na sociedade capitalista.
Dessa forma, o seu processo pode ser analisado pela crítica, mas não será um processo mediano de composição por se desvincular de seu meio genético. Antes de ser arte, será uma pré-produção mercadológica que está lá para ser consumida com todo seu valor.

Pablo Gobira (Eu escrevi, mas qualquer um poderia ter escrito em 29/06/2008)"

Há algo que sinto falta nesse diagnóstico preliminar. Talvez por ser preliminar não contenha o diagnóstico também do caráter individualista que esses processos medianos contêm. Mesmo assim, partindo desse diagnóstico preliminar da arte contemporânea, podemos imaginar a relação entre a produção do autor – esse indivíduo com o celular na mão – e o cineasta apenas como imaginária. Porém, se nos remetemos a cineastas como Glauber Rocha que já pensava com “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”, temos essa apresentação acima não como diagnóstico da arte contemporânea, mas como constatação do que já foi dito há alguns bons quarenta anos. A verdade é que o acesso à reprodutibilidade técnica que hoje ocorre faz com que as pessoas possam se tornar verdadeiros “homens-banda”.

É também com a idéia de processo mediano de composição que citamos carnalmente os antepassados humanos, especialmente gregos e romanos, para os quais o artista e o artesão se aproximavam, sendo eles - quase - iguais, podendo-se pensar que a criatividade e a cópia não se distanciavam.

Inventividade, criatividade e força de vontade não são o bastante para estrelar nesse palco. O acesso às técnicas de reprodução, por exemplo, cria um cinema independente com maior circulação, mas que pode ser incorporado enquanto processo mediano de composição (mesmo que seus filmes estejam acabados, pois a idéia de processo não significa apenas “inacabamento” no sentido de realização cinematográfica ou outra qualquer, mas a potencialidade de incorporação enquanto mercadoria).

A metáfora do palco, assim como aquela da engrenagem da fábrica, não vale mais. A do espetáculo, mostrada em 1967 por Guy Debord ainda está dentro do prazo de validade. O capitalismo ainda não a assimilou – da forma que ela é de fato – enquanto potencial-produto. O que se conseguiu foi entortar a teoria crítica de Debord resumindo-a a metáfora do espetáculo (essa, como a do palco, já nasce morta, sai do prazo de validade por ter sido superada).

Com a metáfora de Debord – que apenas pode ser usada enquanto crítica prática ao capitalismo e não como diagnóstico dele – podemos dizer que conseguimos enxergar que não existem pessoas com câmeras na mão ou idéias na cabeça, mas pessoas que têm suas relações mediadas por mercadorias que, hoje, estão em seu mais alto grau: o imagético.

Nesse contexto, realmente importa à indústria cultural se temos separação entre uma alta cultura e “cinema de autor” ou baixa cultura e “cinema de massas”? O que importa é a sua capacidade de diversificação. Temos que ter mercado para os dois tipos de cinema, e temos que nos sofisticar a ponto da nossa mercadoria se hibridizar, podendo conter elementos para um e para outro nicho. Na sociedade do consumo, muitas vezes, aquele que está em um nicho pode se ver temporariamente em outro por algum motivo, tornando-se consumidor das mercadorias que, não possuindo valor de uso, são imagens que circulam livremente pelas cidades, salas de cinema e internet.

Tendo em vista a hibridização necessária para o capitalismo, o produto “arte” se configura como mercadoria quando ultrapassa o seu processo mediano de composição. Processo esse individual e também individualista, que apenas existe por que não alcançou o nível de circulação total da mercadoria enquanto imagem (por uma questão de tempo). Desse modo, ainda há a possibilidade de ser crítico ao mercado e a sua situação potencial (quando em recuperação) como mercadoria do futuro. Tudo é possível enquanto não é mercadoria, mas logo o é. Essa é a positividade que existe no processo mediano de composição que conduz o processo artístico à mercadoria.

O processo mediano de composição representa a democratização (no pior sentido da palavra) da reprodutibilidade técnica e da circulação, assim como a socialização das produções de diversos campos artísticos, tais como aquele que dividiu o cinema em de “autor” e de “massas”, apontando para sua aproximação e/ou unificação gradativa.

***

Resolvi parar aqui com a voz de Jorge para não confundir o leitor do modo que eu fiquei confuso. Proporei ao autor que ambos publiquemos algumas discussões acerca de filmes específicos ou técnicas que podemos apontar. Alguns exemplos podem ser citados: a quantitativa presença da câmera em movimento em filmes; a regressão na qualidade da filmagem; o hipertexto e outras fragmentações narrativas; o jogo entre a realidade e a ficção.

Havendo resistência de Jorge na não publicação, escreverei esses textos tentando reproduzir a sua escrita. Se tudo der errado, o leitor nada perderá, apenas lerá alguns aportes teórico-práticos a mais de um mundo de teorias sem práticas.

Ressalto que o leitor já ganhou com a prática que Jorge apontou: a possibilidade da negação em um ambiente capitalista (um ambiente da positividade). Um dos principais meios para realizar a negação é o acesso à Internet que, paradoxalmente, movimenta o mercado sob a forma monstruosa do espetáculo. Possivelmente, é a arma mais forte do espetáculo. Mesmo assim, essa arma – como todas as armas – conserva o potencial de “explodir a culatra” através da expropriação de seu uso, tal como ocorreu entre 1999 e 2001 em eventos chamados: Dias Internacionais de Luta Anti-Capitalistas, Dias de Ação Global Contra o Capitalismo ou ainda Carnavais Anti-Capitalistas. Todos convocados sem partidos, sindicatos ou demais órgãos vanguardistas. O meio de divulgação principal foi a Internet.

Esse potencial apontado está longe do otimismo de autores como Pierre Lévy que integram suas idéias à lógica do capitalismo. As idéias aqui expostas se unem a uma possibilidade concreta de utilizar a Internet enquanto um dos instrumentos inseridos nas metodologias de resistências cotidianas, humanas, que penetram em diversos espaços, interferindo na constituição e no surgimento de processos medianos de composição alcançando, quando bem sucedido, uma consciência de coletividade, de classe, de humanidade.

Porém, nada disso sei sozinho. Veremos se conseguimos continuar essa discussão daqui para frente em outros terrenos, em outros textos, em novas incursões.