terça-feira, julho 07, 2009

PARA SE FALAR DE MICHAEL JACKSON ou A MORTE DE MOONWALKER

(Para o jornal O Cometa, Belo Horizonte, julho/2009)

PABLO GOBIRA
pablogobira@cafecombytes.com

Com Walter Benjamin (em suas “Teses sobre o conceito de história”, 1940) aprendemos que até o evento mais entranhado nas malhas da lógica dominante pode conter elementos de subversão e possibilidades de leituras diversas. A escolha de um caminho de reflexão não-linear, que se dá a partir de um elemento encadeador, é exemplar dessa prática. Essa ação crítica é necessária em um mundo no qual tudo é correnteza de informações e poucos peixes estão em piracema. Aqui se ensaiará brevemente uma possibilidade de leitura inspirada nessas idéias.

Perguntamos: o motivo para falar de Michael Jackson é sua morte? Sem um fato espetacular não há motivos? Não há necessidade de respostas para essas perguntas objetivas. Porém, deixo-as jogadas ao ar. Desse modo, usemos Michael para ressaltar uma de suas qualidades mais importantes nesse momento: mostrar que apenas o aparente e o novo nos atraem. Com o aparente e o novo vamos constituir um corpo crítico a partir de um dos movimentos de dança que ele popularizou: o famoso moonwalk.

Por qual outro motivo estamos TODOS curtindo, como uma irmandade universal, o eterno Michael Jackson? Sua morte é cultuada por uma humanidade necrófila nas telas e nos jornais: o culto de um fenômeno humano que já estava se apagando por sua efemeridade.

O seu apagamento não significa a afirmação de que não existirá sobrevida para Michael Jackson, mas sinaliza a ausência física de seu corpo sobre a superfície terrestre. Essa ausência física é suplantada pela presença de uma “aparência” provocada através de cicatrizes como o moonwalk. Afirma-se que o back-slide popularizado por Michael foi inventado pelo dançarino Bill Bailey. Esse passo teria aparecido em 1955 (vejam no curto vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=2VbPd2iu4bg) e, logicamente, não é executado como o faz o cantor pop recém falecido. A criação do passo e sua datação não é nosso grande problema. Cada performer é um autor e a execução de uma obra é única e carrega, assim, traços autorais.

Então, qual o motivo de eleger esse passo para esta leitura? Respondo que o passo de dança pode revelar alguns sinais que retiram Michael de um abismo midiático (e sua correnteza) e o insere em um fenômeno que representa características da contemporaneidade. Essas características põem em cheque a sociedade revelando algumas de suas angústias ou simplesmente a expõe.

O que seria esse passo então? Oficialmente o moonwalk foi executado em 1983 e ficou mundialmente conhecido nas performances da canção Billie Jean. Mesmo esse sendo o passo de dança mais famoso de Michael, comum a quase todos nós que estamos sendo bombardeados na tevê e jornais com fotos e trechos de vídeos em que o dançarino o executa, cabe descrevê-lo como vemos em diversos espaços da internet: “deve-se apoiar a ponta do pé direito contra o chão, mantendo o pé esquerdo em repouso, arraste o pé esquerdo alguns centímetros para trás e realiza-se o mesmo movimento invertendo os pés”.

Como elemento encadeador de reflexões dentre as produções de Michael Jackson, podemos pensar a idéia de se “andar na lua” como algo lento, escorregadio, um desafio a gravidade, como é visível para quem assiste ao bailarino. Porém, o que seria o “andar para trás” do back-slide? A essa pergunta juntam-se outras várias que retratam uma das expressões estéticas, assim como sua propagação, que se tornou marca desse cantor pop.

A performance é caracterizada pela efemeridade, ou seja, é passageira e nunca será igual a próxima execução assim como não é igual a anterior. Esse ato, além de situar a execução do passo de dança no tempo, também o retira dele na medida em que o moonwalk é lento e simula no executor outra temporalidade, como experimenta quem o assiste.

Apesar desses elementos que o tornam complexo e, às vezes, inverossímil, a execução do moonwalk provocou uma generalização de sua imitação, o que se deve à cultura que valoriza e propaga as encenações de um popstar. Poderíamos passar linhas e linhas especulando quais os motivos que o fazem ser adorado por crianças e adultos, mas a repetição de reflexões que apenas apontam possibilidades dessa recepção não nos levará a lugar algum.

É possível dizer que as representações do moonwalk e a sua imitação assinalam a proximidade entre o mundo contemporâneo e o que a dança representa. O passo é referência comum a muitas pessoas, seu efeito temporal desloca o executor daquele tempo progressivo, real, que é compartilhado por todos (executor e espectador) como um tempo que não tem pausa, cada vez mais rápido em um mundo em que “ninguém tem tempo pra nada”. A efemeridade da performance permite que as pessoas arrisquem subjetivamente sua execução. Cada vez que ele é feito se torna singular, único, o que se repete tornando-se mais especial com cada pessoa que o executa, aproximando-se ou não do propagador inicial, Michael Jackson, que já é uma segunda referência do back-slide, eliminando uma suposta originalidade a qual não se apega mais.

As possibilidades de execução e reprodução de um passo de dança nesse contexto da performance deve ser demarcado por ser elemento novo no mundo contemporâneo. É claro que danças coletivas, mimetização de celebridades, etc., não são novidade, como vemos a partir de Beatles, de Elvis, e outros. Porém, o moonwalk impressiona como um ato performático, enquanto um passo de dança que carrega sinais tão ligados ao contemporâneo e que o paralisam temporalmente. Sua existência mostra a incorporação da multiplicidade como elemento interno à própria lógica da indústria fonográfica que se emaranha enquanto pop nas artes performáticas.

Se Giorgio Agamben (Profanações, Editora Boitempo, 2007) está certo ao dizer que o autor é revelado subjetivamente pelo gesto, com o moonwalk de Michael Jackson revela-se não apenas o moonwalker, mas moonwalkers que mimetizam o bailarino indefinidamente. Pauta-se pela possibilidade de todos poderem criar e recriar o ato autoral. Todos se apropriam dos meios para criar e reproduzir, inclusive corporalmente, o executor-propagador. Constituiu-se na sociedade do mercado um jogo de espelhos permanente enquanto o primeiro executor do moonwalk, ou seja, seu autor/performer esteve vivo.

Como não poderia deixar de ser, uma vez que este texto se fez todo de questionamentos, terminamos com algumas questões: até que ponto estamos imitando Michael Jackson? Estamos realmente repetindo-o? Ou até que ponto criamos coletivamente uma pluralidade de criações que possuem potencial crítico e que representam uma época? Com a morte de Michael há chances para o efêmero e provisório gesto sobreviver?

Na lápide de mais um autor deixo aos leitores essas dúvidas.

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