sábado, julho 18, 2009

Por uma crise anti-capitalista nas crises do capital monopolista

(Publicado no Jornal O Cometa, dez/2008)

Pablo Gobira

Como o leitor já sabe, estamos sendo influenciados por uma crise do capital norte-americano (nessas preliminares é importante lembrar que o capital não tem pátria em sua circulação). Sabemos disso não é a toa. Sabemos dessa crise através da influência que ela exerce sobre todos os seres humanos do planeta. Porém, este texto não é mais uma tentativa pateta e patética de discursar sobre uma crise já esperada para o início do século XXI, ocasionada pelo processo de mudanças do movimento de produção de valores na sociedade do capital.

Acontece que essa crise vem em um momento especial: pouco tempo após as experiências de ações globais anti-capitalistas entre 1994-2002; após as recentes mega-marchas de Oaxaca (2006-2007), no México; e as recentes ações dos estudantes e professores italianos que dizem “nós não pagaremos por sua crise” (uma possível fonte para leitura de relatos dessas práticas pode ser lida no site: http://www.midiaindependente.org).

Atualmente, sabemos que fábricas estão sendo fechadas, empregados sendo demitidos, fundos de pensão destruídos, assim como todos os outros “direitos” conquistados na relação entre capital-trabalho. Alguns modelos conservadores, sinalizadores de novas formas de sustentação hierárquicas da sociedade através do Estado são aplicadas tentando salvar o Mercado auxiliando os administradores da crise.

Porém, é importante que se diga que essa crise é sofrida desde o acordo de Bretton Woods (década de 1940), e carnalmente experimentada desde a década de 1980, no processo de globalização do capital. Entre essas reuniões, destaca-se a do dia quinze de novembro de 2008, em Washington/EUA, que reúne os vinte países que possuem as maiores economias do mundo.

Para nos comunicarmos com os “donos do mundo”, nos Estados e nos Mercados, existe apenas uma linguagem a ser falada, pois todas as outras já se integraram ao sistema. A única ainda não cooptada em sua maneira mais radical é a metodologia de ação horizontal que elimina qualquer inclusão do Estado e do Mercado em sua lógica, ou seja, um acirramento da luta de classes auxiliada pelo aumento da cotidianização dessa luta, como experimentado (ainda precariamente) nos exemplos anteriores (três parágrafos acima).

“Como assim?”, perguntaria o leitor. Do mesmo modo que a crise se alastra rapidamente alcançando economias ainda não totalmente integradas à lógica do capitalismo, deve-se gerar meios de cooperação entre as pessoas de modo a não constituir hierarquias. Assim, elimina-se o privilégio de certos setores da sociedade (partidos, nova esquerda, sindicatos, etc.) de manter o monopólio da política na sociedade onde tudo é mercadorias. Isso foi ensinado pelos exemplos práticos das ações globais anti-capitalistas dos últimos anos.

“Como assim?”, continuaria a perguntar o leitor. A saída se dá através da metodologia de ação política coletiva enraizada no dia-a-dia. Assim como o G20 se reúne, nós nos reunimos. Optamos por estar em nossos locais de trabalho (de venda da mercadoria força de trabalho), no lazer (no momento de consumir) e etc., revertendo a lógica já dada.

O sistema não entrou em crise, ele permanece em crise desde o momento em que as pessoas se vêem como uma mercadoria (e são forçadas a se colocar nessa situação através da proletarização do mundo) ou como consumidor dela, que apenas pode se pensar e identificar com o que compra ou vende. A subordinação à lógica das trocas de mercadorias no grau “mágico” atual é contraditório e crítico. Por esse motivo, negá-lo significa fazer o que ele não comporta: relações sem mediações mercadológicas e hierárquicas; organizações de ações que o contestem invertendo o modo como os donos do mundo se reúnem.

Com Francisco Teixeira em Marx, ontem e hoje (2008) podemos compreender a crise teórico-praticamente: “A crise [e aqui o autor se refere a como os teóricos – que não se enraízam na prática – vêem o movimento contraditório do capitalismo] não é mais vista como resultado das contradições inerentes à forma mercadoria, mas, sim, como produto de uma inadequabilidade entre os métodos e as técnicas de organização do trabalho e as novas exigências de gestão requeridas por um capitalismo internacionalizado.”

Administrar a crise é a atitude daqueles que querem manter o capitalismo durante os seus engasgos, propondo novas formas de gestão. Como sempre, são nesses momentos que vemos a separação materializando-se, pois são vinte lideranças dos países que tentam resolver a crise, e o restante sofrerá as conseqüências já elencadas acima.

Os estudantes e profissionais do ensino italiano – com o apoio de diversos setores da sociedade – mostram como devemos discutir a crise do capitalismo: nas ruas, no dia-a-dia, e sem mediações (para mais informações pesquise na internet os comunicados dos manifestantes ou visite: http://www.midiaindependente.org).

É claro que esse mundo “a parte” não se lê nos jornais, a não ser quando vemos algumas teorias (perdendo seu caráter prático) sendo estabelecidas como mais um produto que faz vender jornais, faz vender livros, faz a idéia circular como mercadoria. É nesse momento que aprendemos: a idéia não escapa de se separar da vida humana, pois se torna um produto chamado ideologia.

A não-separação da luta de classes do cotidiano, assim como a não separação – de quem age para si daqueles que agem para os outros se martirizando – é o que pode se chamar de crise anti-capitalista que, como mostrou Benjamin em suas “Teses sobre o conceito de história”, é o momento de perigo que sofremos e podemos utilizar a favor da humanidade.

Se não for desse modo como muitos já mostraram, eu (do mesmo modo que você que aí está sentado tranquilamente lendo este texto) também não quero que mude nada, quero tudo igual.

Em resumo, o capitalismo é a arte de domar crises. Essa máxima é possível apenas por que a arte se rendeu a sua lógica, como mostra o próprio Benjamin, Debord e, até mesmo, Agamben. Tentando pensar em outras discussões globais do capitalismo, vem logo a mente a crise ambiental.

Como todos vêem todos os dias na mídia nacional e internacional, a propagação dessa crise tem duas funções: a) circulação de capital em ensino, pesquisa e extensão; b) desfocar a crítica no aspecto que gera todas as crises: a contradição da mercadoria (a crise das crises). Do mesmo modo que o capital gera a crise econômica/financeira, gera diversas outras, tais como aquelas culturais, estéticas, ambiental, etc.

A “crise” ambiental merece alguns comentários como exemplo atual dessa manipulação. Além de suportar os pontos acima, os administradores geram “notícias” para um mundo da contemplação. A crise ambiental oferece mais “gás” à lógica da produção ao repetir a famosa cadeia dos “3 R’s” (reduzir, reutilizar e reciclar) cuja proposta está prioritariamente ligada ao consumo da mercadoria (gerando um consumo “consciente” e “exigente”, e paremos por aí) e não ao ambiente em si.

Porém, o que temos é um Nobel da Paz para Al Gore e muitas questões duvidosas. Não vou estender esse assunto, mas assim como existe a relação capital-trabalho, existem as teses do aquecimento global em contrapondo as do esfriamento global.

Provavelmente, os leitores deste texto viram Uma verdade inconveniente. Em oposição a ele, porém menos visto e difundido, há um documentário chamado A grande farsa do aquecimento global (BBC) no qual cientistas dão pareceres contra a tese do aquecimento e revelam quais os interesses econômicos e políticos em tal tese e com menos sentimentalismo. O leitor deste texto ou espectador do documentário deverá pensar sobre tal anti-tese e ver a luta entre duas vertentes de uma mesma categoria: aquela da visão científica. Podemos notar que tais discussões se restringem apenas ao seu meio, separado do dia-a-dia das pessoas, a não ser que o pacote tenha relação com o consumo que deve, imperativamente, ser no novo modelo que se está tentando implementar: reduza! reutilize! recicle!

A questão não é o maniqueísmo de quem está certo ou errado, mas lembrar o que foi dito acima sobre a produção e reprodução de diversas versões de coisas, idéias, pessoas, etc., para que possamos consumi-las.

Se eles administram o que chamam de crise ambiental e financeira, o que temos a ver com isso? As medidas necessárias para modificar as subcrises do capital(1) são implementadas para a classe trabalhadora (assalariada, precarizada ou desempregada) que não participa das instâncias de discussão (apenas são informadas das decisões), ou seja, há uma cisão das discussões em relação ao cotidiano.

Desse modo, é possível dizer, com Guy Debord, que tudo se tornou mercadoria(2) e a mídia mundial tem potencial de propagandear até consumirmos qualquer produto por diversos preços, utilizando a sua falsa linguagem. Vejamos, por exemplo, a mercadoria Barack Obama que o mundo consumiu e elegeu antes mesmo dos norte-americanos, forçando estes a irem às urnas para não saírem da vanguarda mundial que ilude todo o mundo em seu caráter separado da realidade cotidiana em que a representação não alcança as demandas reais da vida humana atualmente mercantilizada.

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(1) É preciso lembrar que essas subcrises a serem geridas mascaram a contradição: quanto mais se consome, e se organiza esse consumo, mais se gera consumo. Devemos lembrar que consumo pressupõe mercadoria que pressupõe trabalho feito por uma classe.
(2) Na medida em que as relações entre pessoas são mediadas por ela em um grau tal que se tornam imagens.

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