sábado, julho 18, 2009

A arte e alguns de seus ladrões: os 40 de São Paulo

Pablo Gobira
pablogobira@cafecombytes.com

Este texto introdutório não seria necessário ao considerarmos que o que ele propõe apresentar são dois textos que falam por si só.

O primeiro, “Dura ars sed ars”, é um manifesto de repúdio à prisão da jovem Caroline Pivetta da Mota. Essa prisão foi feita na 28ª Bienal de São Paulo. O motivo da prisão foi a participação da jovem em um grupo de 40 pichadores que realizaram intervenções no prédio da Bienal. Tais pichações revelavam que ali no prédio não havia exposição de nada, apenas do “vazio”. A partir da constatação do fato, os autores do panfleto, @s amig@s da próxima insurreição, inserem os 40 de São Paulo na história da contestação do sistema capitalista que, com a arte moderna, é realizada na junção das lutas proletárias com as propostas do fim da arte enquanto separada da vida.

O segundo panfleto, “O motivo de sermos todos Susto’s”, também d@s amig@s da próxima insurreição, propõe apontar os dois modos de cooptação da intervenção dos 40 de São Paulo. Essa cooptação ocorreu tanto autoritariamente/politicamente quanto artisticamente, deturpando a prática e a finalidade das pichações que foi a expressão da busca por visibilidade de uma luta por mais vida. Era essa a reivindicação daqueles pichadores que, ao não serem representantes de ninguém, tornam-se pertencentes de toda uma história de contestação como apontado no primeiro panfleto e reforçado no segundo.

Por fim, é preciso dizer que tais iniciativas, tanto as contestatórias quanto as solidárias, estão aumentando na medida em que a sociedade contemporânea mergulha em um caldeirão de lutas que não podem mais ser escondidas. Não podendo ser contidas, resta ao sistema capitalista tentar contê-las, como ocorreu na Itália e, mais recentemente, acontece na Grécia, havendo explosão de protestos após a morte de um jovem de 15 anos.

Por haver tentativas de contenção dessas expressões, devemos discuti-las, primeiramente listando-as, mas, sobretudo, apoiando-as na medida em que são contra as hierarquias, contra o autoritarismo, contra a lógica do mercado e do estado que são expressões da não-lógica, da não-verdade: a mentira tornada verdade.
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Dura ars, sed ars
(a arte é dura, mas é arte)

Panfleto em solidariedade a Caroline Pivetta da Mota, a ser amplamente divulgado, reenviado eletronicamente, reproduzido, entregue pessoalmente a amig@s e conhecid@s.

A ação de 40 jovens pichadores, no último 26 de outubro, na 28ª Bienal de São Paulo, ação que resultou na prisão de Caroline Pivetta da Mota, deve receber a mais irrestrita solidariedade de todos aqueles que são, tão-simplesmente, amigos da liberdade. Neste plano, tudo pode ser resumido nisso: trata-se da liberdade de intervenção artística, que marca há quase um século a arte moderna e de vanguarda. Daí que podemos dizer sem medo: aqueles que hoje aprisionam e processam Caroline e perseguem seus companheiros do Grupo Susto's são inimigos da arte moderna e da liberdade artística. Os organizadores da Bienal, a Polícia e o Ministério público de São Paulo são esses inimigos e devem ser denunciados por todo canto como um só "bloco histórico" da reação anti-artística do velho stableshment cultural.

Mas algo mais fundamental se manifesta aí: a contestação à sociedade burguesa que atravessa e ultrapassa a expressão artística. Já há duas décadas a juventude proletária, individualmente ou organizada em pequenos grupos temporários, atacam o urbanismo, a destruição da cidade moderna pelo desenvolvimento capitalista, que a transforma em território da solidão, da anticomunicação generalizada, do vazio e do medo. Prédios enormes e frios, que nada mais expressam que a privatização da vida (a vida privada da própria vida), a separação dos indivíduos e o poder totalitário da mercadoria e do Estado, bem como praças que-já-não-são-mais-praças e monumentos da história oficial, têm sido objetos constantes de intervenção das pichações. Essas ações "buscam 'melar' a urbanização modernizadora do capitalismo e romper com o anonimato e a desindividuação próprios da 'massificação'" (revista contra -a-corrente, nº 9, set./dez. 1999).

O sistema tem buscado assimilar e recuperar essas formas de contestação, principalmente com a sua transformação em formas nobres de "arte". Bancos, instituições judiciárias de recuperação social de jovens, Secretarias Municipais e Estaduais de Educação, Projetos Sociais dos mais diversos governos e Galerias de Arte financiam o uso moderado de pinturas de murais por pichações "artísticas". A pichação se torna aí uma técnica "neutra", em campanhas de cidadania e integração cultural e moral repressiva e policial de jovens proletários às instituições do sistema. A conseqüência inevitável desse recuperador processo de "segurança social" é já o surgimento de Galerias de Arte, que trazem para o espaço colonizado dos ambientes "artísticos" comerciais a chamada "arte de rua". É justamente este o caso da Galeria "Choque Cultural", em Pinheiros, São Paulo, também atacada por pichadores em setembro deste ano.

O que torna insuportáveis as ações de Carol e de seus companheiros é justamente a recusa a essa integração, recusa particular que expressa - num intolerável mau exemplo - a recusa de milhares de outros jovens nos bairros proletários, que nas periferias brasileiras, não menos do que nas quentes banlieues francesas, dizem conscientemente não! à docilidade policial das instituições que buscam integrá-los à obediência. Insuportáveis ainda mais porque tais ações levam a recusa aos territórios aos quais a própria política recuperadora do sistema sentiu-se bem à vontade para, sob a forma morta de "arte", levar a negação proletária: as Galerias e Bienais. O escândalo se torna aí mais terrível, pois desautoriza publicamente ex museum,, no próprio terreno em que se ensaia a recuperação, a ousadia do aparato cultural do sistema em apropriar-se seja das formas estéticas de contestação, seja da arte moderna, cujo desenvolvimento, há quase cem anos, é inseparável da contestação a esse mesmo aparato.

O aparato cultural do sistema não continua a arte moderna, mas a amordaça, recuperando-a. Já Carol e seus amigos, que não reivindicam fazer arte, mas contestá-la, justamente desse modo são herdeiros da grande arte moderna e de vanguarda do século 20... herdeiros legítimos, e precisamente porque recusam apropriar-se dela.

Liberdade para Carol!
Fim das Bienais e Galerias!
Pela liquidação do aparato cultural do sistema!

Amig@s da próxima insurreição

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O MOTIVO DE SERMOS TODOS SUSTO’S
A invisibilidade e as máscaras como arte de viver

Reconhecemos o esforço dos donos do sistema em tentar conhecer os membros do “grupo Susto’s”. Então se assuste: o Susto’s está em toda parte. A verdadeira solidariedade é essa, carnal, mimética, que não encontra nomes ou culpados, mas ações que revelam o que há por trás do véu. É esse o único momento em que o segredo (de quem pratica a crítica ao que está estabelecido) não é um segredo, mas resistência, humanidade. Outras solidariedades, como a transmitida pela mídia aos “flagelados de Santa Catarina”, são apenas enfoques do sistema da miséria humana direcionados para o entretenimento e o consumo da solidariedade através do envio de mercadorias que são dadas para outras pessoas que estão necessitadas em um momento específico que foi tornado público, televisionado, monitorado e transformado nessa outra mercadoria específica: a miséria humana advinda de uma tragédia ambiental (dentre várias possíveis).

O “Susto’s” está em todo lugar, tal como os amig@s da próxima insurreição e @s inimig@s da economia política. Citando os zapatistas de Chiapas e @s companheir@s de Oaxaca, podemos repetir: esse nosso véu não é como o véu que encobre a lógica do capitalismo. O véu mágico do capitalismo nos faz ver riquezas e não misérias, faz ver necessidade onde há o banal e inútil, nos faz esquecer as reais necessidades humanas e passar por cima dos outros que se tornam mercadorias vivas, circulantes, distantes de si mesmos. Os nossos véus são máscaras, são marcas que nos identificam enquanto nos escondem, nos aproximam quando nos distanciam, nos fazem querer viver quando nos fazem objetos de hierarquias e trocas de mão-de-obra na sua crise constante do sistema. Nós aceitamos ser criminos@s sociais e inimig@s da economia política, pois é como a lógica do capitalismo nos nomeia ao nos ver com fome de vida e não com a fome de bugigangas. A vida é dura se queremos vivê-la.

É tudo isso que o ato dos 40 de São Paulo/SP, sob a máscara do Susto’s, representa de modo não ideológico, mas como expressão de uma tática por mais vida¬.

O sistema e sua lógica são inteligentes e sabem da impossibilidade de criminalizar toda a periferia das cidades, pois, como a Caroline Pivetta da Mota, as periferias também são Susto’s. Desse modo, pôs-se em prática duas contra-táticas que, desde a virada do século 19 para o século 20 é a estratégia dos aparatos do capitalismo, sobretudo o cultural:

1) Centralizou-se a punição nos nomes da Carol e do Susto’s, enquanto representação da sua crítica, chamando-os com o vocabulário da linguagem que possuem há mais de um século. Assim, o Susto’s se torna uma gangue e, via Caroline, passa-se a procurar seus líderes (http://suvacodecobrahiphop.blogspot.com/2008/12/picho-para-o-povo-olhar-e-no-gostar.html);

2) Articulou-se o movimento de recuperação que se deu em tempo real. Alguns artistas reproduziram, imediatamente, levando para o centro da 28ª Bienal de São Paulo as pichações que se posicionavam como crítica àquela lógica da arte sem vida, vazia. Esses artistas esvaziaram as pichações da vida aplicando-as dentro de uma galeria com neon colorido. Para esses artistas as ações dos pichadores foram “válidas”, devendo ser incorporadas e validadas (http://kratonton.wordpress.com/2008/11/27/pichadores-na-galeria-de-arte/).

Devemos repetir: o aparato cultural do sistema não continua a arte moderna, mas a amordaça, recuperando-a. Já Carol e seus amigos, que não reivindicam fazer arte, mas contestá-la, são herdeiros da grande arte moderna e de vanguarda do século 20... herdeiros legítimos, e precisamente porque recusam apropriar-se dela.

Por fim, o Susto’s, assim como os zapatistas e @s inimig@s da economia política não são “grupos”. Eles não existem dentro das possibilidades do aparato político, econômico e cultural do capitalismo. Nós também, @s que escrevemos este segundo manifesto, não estamos articulados com, ou sabemos quem são @s primeiros companheir@s que afirmaram Dura ars, sed ars. Por concordarmos com eles nos indignamos, solidarizamos, e divulgamos o Dura ars, sed ars, pois sentimos necessidade de expressar o desejo de vida que temos. Justamente por isso podemos dizer que conhecemos e reconhecemos todos os companheir@s amig@s da próxima insurreição!

Por isso mesmo, novamente afirmamos:

Liberdade para Carol!
Pelo fim das bienais e galerias!
Liquidação do aparato cultural do sistema!

E acrescentamos:

Pelo fim da economia-política do capitalismo, mestra das hierarquias e das separações típicas desse sistema de opressão!


Amig@s da próxima insurreição

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